quarta-feira, 23 de abril de 2008

O Homem do Óleo


Sangue Negro (There Will Be Blood, USA 2007) de Paul Thomas Anderson.

O jovem diretor Paul Thomas Anderson já havia me impressionado com Magnólia, em 1999, um dos filmes mais fascinantes que já vi, em estrutura, simbolismos e construção de personagens. Só por esse motivo, qualquer trabalho assinado por ele já merece uma expectativa mais forte. Com Sangue Negro, P. T. Anderson não só realiza outra obra fantástica, tão diferente de Magnolia ou seus outros filmes, como criou um clássico instantâneo.

Sangue Negro é baseado de Upton Sinclair, chamado Oil!, situado na California dos início do século XX, numa paisagem ainda bulcólica, quando a indústria norte-americana ainda ensaiava seus primeiros passos. Nesse contexto, o petróleo era a riqueza do momento, o ouro negro que tornava um homem milionário a cada mina encontrada.

Daniel Plainview (Daniel Day-Lewis) era um desses homens que dedicavam a sua vida em escavações, explorando o subsolo em busca do ouro negro. Daniel é um empreendedor incansável, rude e calculista, obcecado em ampliar seus domínios. Em sua busca pelo poder, Daniel não se apega a ninguém, tratando seus empregados como meros recursos do negócio. É um estranho até para seu próprio filho, a quem chama pelas iniciais (H. W.)

Quando Daniel Plainview chega numa região de ranchos ricos em petróleo, passa a manipular e explorar a tudo e todos, passando a ser um dos mais proeminentes "Homem do Óleo" do país, construindo um império cada vez maior. Proporcionalmente, sua alienação e isolamento também vão mergulhando em sombras a sua personalidade.

Em contraponto, há o pregador Eli Sunday, tão manipulativo e obcecado pelo poder quanto Plainview, mas ao invés de se ocupar da exploração de solos, o faz com fiéis, fazendo da religião um verdadeiro palanque para manter os moradores sob controle. Nesse sentido, Plainview e Sunday são antagonistas dentro de um mesmo prisma. São sanguessugas insaciáveis, com a mesma cobiça, mas alimentando-se de fontes diferentes: o poderio econômico e a fé, ecoando em nossos tempos, em que homens ainda valem-se desses fortes instrumentos de subjugação das massas.

O relacionamento pai e filho é um dos pontos-chave do filme, uma vez que H. W. parece ser a única pessoa com quem Daniel Plainview se importa. Porém, sua relação é fria e sem afeto e quando colocada à prova, sempre demonstra o egoísmo e falta de sensibilidade humana de Plainview, principalmente no momento em que o menino mais precisa, após um acidente na viga, quando ele perde a audição.

Outro personagem importante é seu suposto irmão, quando aparentemente Daniel encontra cumplicidade e companheirismo, mas como sempre sua faceta intransigente e rude encerra de forma cruel, mostrando que jamais descuida de seus próprios interesses.

Sangue Negro, em toda sua magnitude, coloca-se no patamar de grandes épicos do passado, com uma interpretação inesquecível de Daniel Day-Lewis, pertubador e obstinado, como muitos homens que enriqueceram sem evoluir como pessoa, homens que puderam ganhar o mundo, mas que perderam sua alma. Sua expressão fechada e seu olhar perspicaz ganham a tela, permitindo que, embora passemos a odiá-lo como pessoa, não consigamos desviar a atenção dele. Sua composição é tão eficaz que os primeiros 15 minutos do filme não há uma fala sequer, mas você simplesmente é fisgado pela obstinação do personagem. É facilmente um dos melhores trabalhos de um ator.

A trilha sonora inquieta e às vezes irritante também é um trunfo no filme. Johhny Greenwood é guitarrista da banda Radiohead e surpreendeu com acordes nada comuns e toques bem percussivos. A fotografia também é digna de nota, explorando a paisagem dos ranchos e as construções rudimentares na primeira era industrial.

Por fim, a alienação moral e o vazio existencial de Plainview nos impacta no último ato, enquanto envelhecido e enclausurado numa mansão que simboliza o império que ele ergueu, sem contudo, ser capaz de crescer como ser humano e ajudar o próximo. As cenas finais com H. W. e depois com Eli Sunday são emblemáticas, demonstrando um homem amargurado descendo degrau após degrau diante de tenebrosas sombras de ódio e iniqüidade.

Dessa forma, Sangue Negro forma com Onde os Fracos Não Tem Vez uma dupla de filmes que disseca o lado maldoso da humanidade, a alma cruel do homem, e se completam nesse sentido, além de coincidir o primor com que foram realizados, o que explica terem sido destaques na temporada de premiações. Talvez o espectador médio sinta falta de uma redenção, mas são histórias cruas que impressionam e levam a uma reflexão a respeito de como o ser humano pode descer tão fundo no espectro do mal, o lado negro da força. Quando isso é exposto, podemos decidir mais firmemente avançar em caminhos de virtude para disseminar o bem.

Citações:
  • Plainview: Você é um homem zangado, Henry?
  • Henry: Como assim?
  • Plainview: Você sente inveja?
  • Henry: Acho que não.
  • Plainview: Há uma competição dentro de mim. Eu não gosto que ninguém mais seja bem sucedido. Eu odeio a maioria das pessoas.
  • Henry: Isso foi perdido em mim... trabalhar sem sucesso... todas as minhas falhas me deixaram... eu não ligo mais.
  • Plainview: Bem, se está em mim, está em você. Há momentos em que eu olho pras pessoas e não vejo nada de valor. Quero ganhar dinheiro suficiente para fugir de todos.
  • Henry: E o que você vai fazer com seu garoto?
  • Plainview: Eu não sei. Talvez isso mude. O som pode voltar? Eu não sei. Ninguém sabe. Um médico talvez saiba.
  • Henry: Onde está a mãe dele?
  • Plainview: Não quero falar sobre essas coisas. Eu vejo o pior nas pessoas. Eu construí meu ódio ao longo dos anos, pouco a pouco. Henry, ter você aqui me dá um novo fôlego. Não consigo continuar fazendo isso com essas... pessoas.
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  • Eli Sunday: Temos um pecador aqui que deseja salvação. Daniel, você é um pecador?
  • Plainview: Sim.
  • Sunday: O Senhor não pode ouvi-lo. Diga pra Ele. Vá em frente e diga.
  • Plainview: Sim.
  • Sunday: Ajoelhe-se e olhe para cima. Olhe para os céus e diga.
  • Plainview: O que você quer que eu diga?
  • Sunday: Daniel, você chegou aqui trazendo muitos bens e riquezas. Mas você também trouxe seus maus hábitos como um apóstata. Você prostituiu-se com mulheres e você abandonou seu filho. A criança que você criou, você o abandonou tudo porque ele ficou doente e você pecou. Então você precisa dizer: eu sou um pecador.
  • Plainview: Eu sou um pecador.
  • Sunday: Mais alto!
  • Plainview: Eu sou um pecador!
  • Sunday: Me perdoa, Senhor!
  • Plainview: Me perdoa, Senhor!
  • Sunday: Eu quero o sangue!
  • Plainview: Eu quero o sangue!
  • Sunday: Eu nunca vou deixar a fé!
  • Plainview: Eu nunca vou deixar a fé!
  • Sunday: Eu estava perdido, mas fui achado.
  • Plainview: Eu estava perdido, mas fui achado.
  • Sunday: Eu abandonei meu filho.
  • silêncio...
  • Sunday: Vamos, Daniel. Diga alto.
  • Plainview: Eu bandonei meu filho! Eu abandonei meu filho! Eu abandonei meu garoto!
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  • Tilford: Como está seu garoto?
  • Plainview: Obrigado por perguntar.
  • Tilford: Há alguma coisa que podemos fazer?
  • Plainview: "Obrigado por perguntar" é suficiente.
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  • Sunday: Daniel, estou perguntando se você gostaria de fazer negócio com a Igreja da Terceira Revelação a respeito do terreno do jovem Brady. Estou oferecendo a você uma das maiores terras não exploradas de Little Boston.
  • Plainview: Eu adoraria trabalhar com você.
  • Sunday: Sério? Sim, claro. Maravilhoso.
  • Plainview: Mas há uma condição pra isso.
  • Sunday: Tudo bem.
  • Plainview: Eu gostaria que você me dissesse que você é um falso profeta. Que você é e sempre foi um falso profeta. E Deus é a sua superstição.
  • Sunday: Mas isso é mentira. É uma mentira... eu não posso dizer isso... (longa pausa). Quando você quer começar a cavar?
  • Plainview: Imediatamente.
  • Sunday: Quando tempo demora para fazer o poço?
  • Plainview: Será muito rápido.
  • Sunday: Eu gostaria de um bônus de cem milhões de dólares mais.
  • Plainview: Justo.
  • Sunday: Eu sou um falso profeta e Deus é minha superstição. Se é nisso que você acredita, então eu digo.
  • Plainview: Diga com convicção.
  • Sunday: Daniel...
  • Plainview: Diga como se estivesse pregando.
  • Sunday: Isso é uma tolice. (pausa). Eu sou um falso profeta e Deus é minha superstição! Eu sou um falso profeta e Deus é minha superstição! (pausa)... Tá bom agora?
  • Plainview: Aquelas áreas já foram perfuradas.
  • Sunday: O quê?
  • Plainview: Já foram perfuradas.
  • Sunday: Não, não foram.
  • Plainview: Isso se chama drenagem. Eu possuo todas as terras ao redor, então eu pego tudo debaixo da terra.
  • Sunday: Mas não há vigas lá. É a área do Bandy. Entende?
  • Plainview: Você entende? Eu bebo sua água, Eli. Eu bebo tudo, todos os dias. Eu bebo o sangue do cordeiro da área do Bandy. Drenagem! Drenagem! Eli, meu garoto, eu sinto muito. Aqui, se você tem um milk shake e eu tenho um milk shake e eu tenho um canudo. Aqui está, um canudo, está vendo? Olha aqui. Meu canudo alcança por baixo do chão e começa a sugar o seu milk shake. Eu... bebo... seu milk shake! (sugando)... Eu bebo tudo!
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Um comentário:

Anônimo disse...

O filme me pareceu maravilhoso e, com certeza, vou assistir! Porém seu comentário "o espectador médio" me pareceu meio arrogante, como essa postagem é antiga desejo que você tenha uma postura melhor agora. Ainda assim vou continuar lendo seus post, você pode ser arrogante, mas entende de filmes!