sábado, 8 de março de 2008

A Crueldade Humana


Onde os Fracos Não Tem Vez (No Country for Old Men, USA 2007)

Uma mala cheia de dinheiro encontrada em uma cena de crime, provavelmente um tiroteio em uma negociação de drogas e Llewelyn Moss (Josh Brolin) entra na mira de um dos assassinos mais cruéis já vistos no cinema, Anton Chigurh (Javier Bardem).
O novo filme dos irmãos Coen é um western moderno, com uma violência lamentavelmente crua e real, que nos conduz ao desespero de enxergar a vilania humana, que nos acompanha diariamente em páginas de jornais.
A ganância de Llewelyn é a força motriz da história, à medida que tudo ao seu redor começa a entrar em xeque, culminando em arriscar a vida de sua esposa, sogra e principalmente, a sua própria. Percebemos que Moss não é uma má pessoa, mas pelo fato de encarar a mala de dinheiro como sua última tábua de salvação, ou a galinha dos ovos de ouro, vemos que ele não desistirá fácil e levará seu plano até as últimas conseqüências.
O problema é que o dinheiro interessa um certo Anton Chigurh, um assassino frio, cruel, amoral e completamente insano. Javier Bardem foi uma unanimidade na temporada de premiações e em poucos segundos em tela já percebemos que o personagem que criou nasce clássico, entrando no rol de vilões memoráveis do cinema, ao lado de Hannibal Lecter, Norman Bates, Keyser Söze e outros. Dá arrepios a forma como ele anda, como ele olha para as pessoas e quando ele fala, você deseja que ele nunca cruze seu caminho.
Seguindo os passos dos dois antagonistas, temos Tommy Lee Jones como o policial Ed Tom Bell, que nos dá sempre a impressão de estar cansado desse ofício, desiludido por saber que o mal se alastra e não há esperanças de um dia ter fim. Mas Ed sabe que Llewelyn Moss é um bom sujeito, apenas o homem errado na hora errada, por isso parece disposto a defender o cidadão. Porém, a cada cenário da guerra travada entre os dois, o policial vai caindo o semblante e reforçando sua desmotivação em perseguir o bem.
Filmado com maestria, Onde os Fracos Não Tem Vez não é um filme fácil de digerir e não será o tipo de filme que arrebata as multidões nas salas de cinema, mas é um filme forte, que gera impacto ao mostrar uma violência, que não é cinematográfica apenas, mas encarna o mal que nos cerca e os absurdos que nos chocam todos os dias, ou como é triste constatar, já nos entorpeceram e brutalizaram nossos sentidos, de forma que já não esboçamos mais o repúdio que deveríamos.
Por outro lado, é um filme que deixa o final aberto, não entrega mensagens fáceis e não cumpre qualquer tipo de redenção para os personagens, o que pode aborrecer a muitos, Mas é justamente aí que os irmãos Coen atingem a perfeição, pois com um final feliz ou arredondado, o filme não causaria o soco no estômago que precisamos receber quando vemos um enredo como esse.

Cenas e falas:
  • Anton Chigurh manda o dono do posto escolher cara e coroa na moeda, o que certamente pode significar vida ou morte, quando proposto por um animal como Chigurh. "Eu preciso saber o que está em jogo" - "Tudo", responde Chigurh.
  • O reflexo de Anton Chigurh na televisão de Moss, depois é repetido com Ed Tom Bell, mostrando inteligentemente as pegadas sendo seguidas.
  • O confronto entre Chigurh e a esposa de Moss, que tenta apelar para o mínimo de humanidade, que sinceramente duvidamos que Chigurh tenha.
  • Outra rima visual: Moss compra a camisa de um traseunte e depois Chigurh faz o mesmo com a criança.
  • Llewelyn Moss - Se eu não voltar, diga para minha mãe que eu a amo.
  • Carla Moss - Sua mãe está morta!
  • Llewelyn - Então deixa que eu mesmo digo.
  • Carson Wells (Woody Harrelson) - Me ligue quando não agüentar mais. Eu até deixo você ficar com um pouco do dinheiro.
  • Llewelyn Moss - Se eu estivesse a fim de um acordo, por que eu não iria eu mesmo fazer um com o Chigurh?
  • Wells - Não, você não entende. Você não pode fazer um acordo com ele. Mesmo que você desse o dinheiro pra ele, ainda assim ele o mataria. Ele é um homem peculiar. Você até poderia dizer que ele tem princípios, mas princípios que transcendem dinheiro e drogas. Ele não é como você. Nào é como eu.
  • Moss - Ele não fala tanto quanto você. Eu dou pontos por isso.
  • Anton Chigurh - E você sabe o que vai acontecer agora. Tem que admitir a situação. Seria mais digno para você.
  • Carson Wells - Vai pro inferno.
  • Chigurh - Deixa eu te perguntar uma coisa. Se a regra que você seguiu, te levou até aqui, de que adiantou essa regra?
  • Wells - Você tem idéia de como você é louco?
  • Chigurh - Você se refere à natureza dessa conversa?
  • Wells - Não, eu me refiro à natureza da sua pessoa.
  • Ed Tom Bell - Na semana passada encontraram esse casal na Califórnia. Eles alugaram um quarto de uns idosos. Mataram e enterraram no quintal. Tiraram o dinheiro deles da seguridade social. Bem, primeiro torturaram eles, não sei porque. Talvez a tevelisão estivesse quebrada.
  • Eu me tornei xerife nesse condado quando fiz 25 anos. Difícil acreditar. Meu avô foi xerife, meu pai também. Eu e meu pai chegamos a ser xerifes ao mesmo tempo. Acho que ele tinha orgulho disso. Eu sei que eu tinha. Alguns xerifes antigos nunca andavam armados. Muita gente acha difícil de acreditar. Eu sempre gostei de ouvir sobre os velhos tempos.
    Você nunca consegue evitar fazer comparações entre seu tempo e o passado. Um tempo atrás, houve um garoto que foi morto na cadeira elétrica. Eu prendi e testemunhei. Ele matou uma garota de 14 anos. Me disseram que foi crime passional, mas ele mesmo me disse que não havia paixão nenhuma. Ele me disse que planejava matá-la desde sempre. Disse que se o soltassem, faria de novo. Disse que sabia que iria para o inferno. Eu não sei o que fazer disso. Simplesmente não sei. O crime do jeito que voce vê agora, é até difícil de medir. Não é que eu tenha medo. Eu sempre soube que você tem que estar querendo morrer para ao menos fazer esse serviço. Mas, eu não quero encontrar algo que não entendo. Um homem precisa colocar sua alma em risco. Ele deve dizer: "Ok. Eu farei parte desse mundo!"
  • Ed Tom Bell - E então eu acordei.

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